A Globo, que
ajudou a implantar uma ditadura militar no Brasil, e dela se beneficiou
amplamente, construindo de mãos dadas com os generais o maior monopólio
de comunicação do mundo, volta a flertar com os quartéis.
Assustada com
a onda de solidariedade que se formou em relação ao ex-presidente Lula,
composta por juristas, sindicatos, movimentos sociais, entidades
estudantis, artistas, intelectuais e, sobretudo, pessoas comuns que
ascenderam socialmente durante seus dois governos, a Globo usou dois de
seus principais colunistas, Merval Pereira e Ricardo Noblat, para
disseminar a tese de que os militares estariam prontos para colocar
ordem na casa – assim como em 1964.
"Já há algum
tempo, diante do agravamento da crise político-econômica, militares de
alta patente estão conversando com lideranças civis de diversos setores
da sociedade, e agora consideram que está na hora de o mundo político
encontrar saídas constitucionais para o impasse em que estamos metidos,
com o Congresso, que é o único caminho para uma solução em moldes
democráticos, paralisado diante de sua própria crise".
Merval diz
ainda que "alguma coisa terá que ser feita, e rápido". Ele qualifica
ainda todos os cidadãos de bem que se manifestam em defesa da democracia
como "milícias petistas". Eis o que escreve o principal porta-voz dos
interesses da Globo: "As milícias
petistas mobilizadas na confrontação física nas ruas podem transformar o
país em uma Venezuela, e quanto mais os fatos forem desvelados, mais a
resposta violenta será a única saída".
O curioso é
que ontem as agressões, como no Instituto Lula e na sede do PT em Belo
Horizonte, foram perpetradas por milícias antipetistas, que há anos vêm
sendo manipuladas pela Globo. Agora, assustada com a reação popular, a
Globo, de novo, pede socorro aos militares. Leia, aqui, o histórico editorial, com 50 anos de atraso, em que a Globo se desculpa pelo apoio ao regime militar de 1964.
Leia, ainda, o artigo de Ricardo Noblat, sobre a suposta entrada dos militares em cena:
A crise ganhou um novo componente. E ele veste farda e pilota tanques
A condução
coercitiva de Lula para depor à procuradores da Lava-Jato não foi o fato
que marcou a escalada preocupante da crise política que abala o país e
ameaça derrubar o governo. A crise
ganhou um novo componente. Ele veste farda e tem porte de arma. Sua
entrada em cena, ontem, foi o fato mais importante do dia em que o país
quase parou, surpreso com o que acontecia em São Paulo.
Não é comum
ver-se um ex-presidente da República, o primeiro operário entre nós a
chegar ao poder, ser conduzido por agentes federais na condição de
investigado em bilionário escândalo de corrupção.
Nunca antes na história deste país...
O episódio
serviu para demonstrar a solidez de uma democracia reinaugurada por aqui
há apenas 31 anos. A lei deve ser igual para todos. Um ex-presidente
não merece tratamento especial. O receio de
que a ordem pública virasse desordem foi o que assustou os militares,
levando-os a se manifestarem por meio dos canais disponíveis para isso.
Há muito que eles não procediam assim.
Um batalhão
do Exército, em São Paulo, foi posto de sobreaviso caso os protestos
contra e a favor de Lula resultassem em violência, e as polícias militar
e civil perdessem o controle da situação. Geraldo
Alckimin não foi o único governador avisado de que poderia contar com a
ajuda do Exército se pedisse ou se a presidente da República a
autorizasse.
Integrantes
do Alto Comando do Exército telefonaram para os governadores dos Estados
mais sujeitos a conflitos entre militantes políticos e os preveniram
para a necessidade de manter a paz social. O elenco de
autoridades alcançadas pelos telefonemas de generais foi mais amplo. E
incluiu ministros de Estado e líderes de partidos, de quase todos os
partidos. Os do PT ficaram de fora.
A tensão
entre os generais foi desatada quando militantes políticos se agrediram
diante do prédio onde Lula mora em São Bernardo. E atingiu seu pico com o
discurso de Rui Falcão, presidente do PT. Enquanto Lula
era interrogado na delegacia da Polícia Federal no aeroporto de
Congonhas, Falcão pregava a ida para as ruas dos adeptos do PT e a
realização de manifestações ruidosas.
Foi um duro
discurso, embora pronunciado no tom ameno que caracteriza as falas de
Falcão. De imediato, as várias instâncias do partido começaram a se
mobilizar em obediência à nova palavra de ordem. Até então, a
máquina do PT parecia inativa, perplexa. No twitter, por exemplo, os
termos mais em uso se referiam à prisão de Lula. Nas horas seguintes, os
termos mais populares passaram a ser “golpe” e “ruas”.
Os generais
estão temerosos com a conjugação das crises política e econômica e com o
que possa derivar disso. Cobram insistentemente aos seus interlocutores
do meio civil para que encontrem uma saída. Não sugerem a
solução A, B ou C. Respeitada a Constituição, apoiarão qualquer uma –
do entendimento em torno de Dilma ao impeachment ou à realização de
novas eleições. Mas pedem pressa. Por inviável,
mas também por convicções democráticas, descartam intenções golpistas.
Só não querem se ver convocados a intervir em nome da Garantia da Lei e
da Ordem como previsto na Constituição.