BBC – Em menos de uma década, o Brasil passou de um país nulo em energia
eólica para se tornar o 10º maior produtor do mundo – e, no centro
desta mudança, a região Nordeste é protagonista. Até 2006, a geração de eletricidade a partir do vento era
inexpressiva no Brasil. Isso havia começado a mudar, antes em 2002, com o
lançamento de um programa de incentivo a fontes de energia renovável
pelo governo federal.
E ganhou força a partir de 2009, quando passaram a ocorrer leilões
exclusivos para a criação de usinas e a contratação do fornecimento
desse tipo de energia, como o que será realizado pela Agência Nacional
de Energia Elétrica (Aneel) nesta sexta-feira. Mas a geração de energia eólica é alvo de críticos que veem prejuízos
ambientais e privatização de áreas comunitárias para a criação dos
parques. Além disso, ainda há dificuldades na transmissão energética.
Há hoje no país 322 usinas, com capacidade de produção de 8,12
gigawatts, o equivalente à usina hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, a
segunda maior em operação no Brasil, segundo a Associação Brasileira de
Energia Eólica (Abeeólica). Essa fonte de energia responde atualmente
por 5,8% da matriz nacional e abastece 6 milhões de residências. De acordo com o Conselho Global de Energia Eólica, o Brasil tem a 10ª
maior capacidade de geração do mundo e, em 2014, foi o quarto que mais
ampliou esse potencial, atrás de China, Alemanha e Estados Unidos.
Essa transformação fez do Nordeste o polo da energia eólica no
Brasil: a região responde por 75% da capacidade de produção nacional (o
restante se concentra no Sul do país) e 85% da energia gerada de fato no
país por essa fonte. Dos cinco maiores Estados produtores, quatro são
da região: Rio Grande do Norte, Ceará, Bahia e Piauí – o Rio Grande do
Sul completa a lista.
Bons ventos
O que torna o Nordeste tão atraente para esse tipo de atividade? Trata-se de uma vocação natural da região, segundo o ministro de
Minas e Energia, Eduardo Braga, opinião compartilhada por especialistas
ouvidos pela reportagem.
“O vento brasileiro está predominantemente localizado na parte
setentrional do Nordeste, com potencial identificado de 300 gigawatts”,
diz Braga à BBC Brasil. “Esse potencial tem se revelado cada vez mais
eficiente, levando a um investimento significativo nessa região.”
Élbia Gannoum, presidente da Abeeólica, explica que, enquanto a média
de produtividade de um gerador eólico é de 28% a 30% no mundo e supera
50% no Brasil, este índice atinge picos de 83% no Nordeste. “Além de ter uma velocidade bem superior à necessária para geração de
energia, o vento na região é unidirecional e estável, sem rajadas. Isso
significa que a energia é produzida o tempo todo”, afirma Gannoum.
“Este tipo de vento vem do Atlântico e chega a mais três outros
países: Etiópia, Venezuela e Somália. Mas eles não têm parques eólicos
para aproveitá-lo.” Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética
(EPE), que é vinculada ao Ministério de Minas e Energia, afirma que a
produção eólica faz do Brasil e, por consequência, do Nordeste, um “case
de sucesso em energia eólica no mundo” que seria estudado “por países
da Europa, como a Alemanha, e outros da América Latina”.
“Fui convidado para integrar a mesa de abertura do seminário da
associação europeia de energia eólica. Será emblemático ter um
brasileiro participando de um evento feito por europeus e para europeus.
Isso mostra o interesse do mundo por nós.”
Expansão
Os primeiros estímulos à geração de energia eólica no país se deram em
2002, com a criação do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de
Energia Elétrica pelo governo federal, que tinha a meta de diversificar a
matriz energética nacional por meio de subsídios.
Quatro parques eólicos entraram em operação no país em 2006, segundo a
Operadora Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Três anos depois,
passaram a ser realizados no país leilões voltados exclusivamente para a
construção de parques e usinas eólicos.
Nesse modelo, a Aneel determina a quantidade de energia necessária a
ser fornecida. As empresas interessadas apresentam projetos para atender
a demanda, de acordo com critérios estabelecidos do governo, entre eles
o valor máximo a ser cobrado pela energia. Vencem aqueles com a melhor
relação entre eficiência e custo. O contrato dura 20 anos.
O número de usinas em operação no país passou, então, a crescer
exponencialmente, especialmente no Nordeste, com destaque para o ano
passado, com um recorde 47 complexos, parques e usinas inaugurados. “Como o leilão é um processo competitivo, isso favoreceu esta região,
que tem o melhor potencial eólico do país”, afirma Gannoum, da
Abeeólica.
Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE),
ressalta que a iniciativa brasileira também foi beneficiada pela crise
econômica mundial de 2008. “Esta crise fez com que sobrasse muito equipamento e houvesse
capacidade ociosa na Europa, e isso migrou para o Brasil”, afirma Pires.
“Ao mesmo tempo, determinados Estados criaram políticas próprias de
incentivo a este tipo de energia, reduzindo tributos. O que vemos hoje é
um resultado da combinação destes fatores.”
Tecnologia e benefícios
Avanços tecnológicos também contribuíram para tornar o processo mais
competitivo no Brasil. Nos últimos dez anos, as torres de geradores
ficaram mais altas, passando de 50 metros para os 100 a 120 metros
atuais, o que permite captar ventos mais velozes. Ao mesmo tempo, a
potência das máquinas triplicou, para 3 megawatts.
Os geradores mais eficientes reduziram o custo da energia eólica.
Hoje, o preço médio é 45% menor do que há dez anos, fazendo com a eólica
seja a segunda energia mais barata no país, só atrás da hidrelétrica. Tomalsquim, da EPE, alega que isso criou um “círculo virtuoso” de atração de investimentos.
Um exemplo está na CPFL Renováveis, uma das principais produtoras de
energia eólica do país. O grupo do qual a empresa faz parte venceu seu
primeiro leilão de energia eólica em 2009. Hoje, a CPFL Renováveis tem
34 parques eólicos, 30 deles no Nordeste, e mais três empreendimentos em
construção na região. “Acreditamos muito nesta fonte de energia”, diz Alessandro Gregori, diretor de novos negócios da empresa.
No ano passado, o setor criou 40 mil postos de trabalho, segundo a
Abeeólica, que prevê outros 50 mil novos postos de trabalho para este
ano. Especialistas explicam que, no Nordeste, a criação destes parques
ocorre muitas vezes em regiões pobres, como o sertão, onde há ventos
melhores do que no litoral. Eles alegam que as empresas constroem os parques em terrenos usados
por pequenos produtores rurais, criando uma renda extra para as famílias
que antes viviam apenas destes cultivos. Gannoum, da Abeeólica, diz que “a instalação dos geradores não impede
que o agricultor continue com seu cultivo. As duas atividades podem
conviver”.
Desafios
Especialistas apontam, no entanto, problemas e desafios para a
expansão da geração de energia eólica no Nordeste. Jorge Antônio Villar,
coordenador do Centro de Energia Eólica da PUC-RS, alerta ser preciso
ter atenção aos prejuízos ambientais que ela pode causar. “Estudos realizados no Ceará mostram que os parques instalados no
Estado desestruturaram a dinâmica ambiental e ecológica de dunas locais,
além de privatizarem áreas localizadas entre comunidades litorâneas e
as praias sobre as quais elas tinham direito natural”, afirma Villar.
“O crescimento da atividade deveria contar com uma maior preocupação
relativa aos métodos e procedimentos e uma avaliação mais rigorosa dos
impactos socioambientais.” Tolmasquim, da EPE, destaca que os empreendimentos só são contratados sob licença ambiental.
Por sua vez, Gannoum, da Abeeólica, alega que os prejuízos da
atividade são “mínimos” e que a indústria tenta reduzi-los.
“Antigamente, os geradores faziam um grande ruído, mas a tecnologia foi
alterada para acabar com isso, por exemplo.” Outro aspecto diz respeito à infraestrutura. O ritmo de expansão de
parques e usinas não tem sido acompanhado na mesma medida pela
construção de linhas de transmissão para levar esta energia até a
população.
Em 2014, uma auditoria do Tribunal de Contas da União estimou que a
falta de linhas impediu, entre julho de 2012 e dezembro de 2013, que 48
parques e usinas no Rio Grande do Norte e na Bahia escoassem sua
produção, gerando um prejuízo de R$ 929 milhões. “Isso ainda é um
desafio no Nordeste e freia a expansão eólica”, diz Gregori, da CPFL.
Segundo o governo federal, entre 2015 e 2018, os investimentos em
linhas somarão R$ 61 bilhões. Em agosto, o governo ainda anunciou o
leilão para construção de 37,6 mil quilômetros de linhas, com um
investimento de R$39 bilhões até 2018 e outros R$ 31 bilhões após este
período. No entanto, Pires, do CBIE, afirma que os atrasos na entrega destes
projetos são frequentes: “Este problema ainda está longe de ser
resolvido”.