Quase metade dos integrantes da comissão
que deve examinar, nesta quarta-feira (23), o fim do chamado foro
privilegiado para políticos e outras autoridades responde a acusações
criminais no Supremo Tribunal Federal (STF). Levantamento feito pelo Congresso em Foco
mostra que 12 dos 27 titulares da Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ) são alvos de inquérito (investigação preliminar que pode resultar
na abertura de processo) ou ação penal (processo que pode culminar em
condenação) na mais alta corte do país, foro competente para julgar
congressistas, ministros, o presidente da República, entre outros. Pelo
menos seis desses senadores estão na mira da Operação Lava Jato. A situação também se repete entre os suplentes da CCJ: seis dos 24 que atum na comissão têm contra si acusações criminais (confira a relação dos 18 senadores investigados titulares e suplentes da CCJ).
Caso a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 10/2013
vença todas as etapas de tramitação no Congresso, a maior parte desses
senadores passará a responder às acusações nas instâncias inferiores da
Justiça. O relator da PEC, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), estima
em 22 mil o número de autoridades que possuem algum privilégio de foro
por conta do cargo que ocupam, como governadores, prefeitos,
conselheiros de tribunais de contas e integrantes do Ministério Público
ou do Judiciário. Nesses casos, o foro vai do Tribunal de Justiça ao
Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao próprio Supremo.
Entre os titulares da CCJ que estão pendurados no STF atualmente
estão os presidentes do PSDB, Aécio Neves (MG), do DEM, José Agripino
(RN), do PP, Ciro Nogueira (PI), o líder do PT, Humberto Costa (PE) e o
líder do governo no Congresso, Romero Jucá (PMDB-RR), que também é
presidente do PMDB. Já entre os suplentes do colegiado, estão o líder da
oposição, Lindbergh Farias (PT-RJ), o líder do governo, Aloysio Nunes
(PSDB-SP), e o senador Ivo Cassol (PP-RO), condenado, em agosto de 2013, a quatro anos e oito meses de prisão por crimes contra a Lei de Licitações.
Apesar da condenação, Cassol está solto e no exercício do mandato
enquanto espera o Supremo julgar seu último recurso, cuja análise já foi
adiada várias vezes este ano. Em junho, a ministra Cármen Lúcia, hoje
presidente da corte, rejeitou as alegações da defesa. Mas o julgamento
foi interrompido a pedido do ministro Dias Toffoli, que pediu mais tempo
para analisar o caso. Se passar pela CCJ e chegar ao plenário, a PEC
será examinada por pelo menos 25 senadores que respondem a acusações criminais no Supremo. Na Câmara, cerca de 150 deputados estão sob suspeita.
Um dos senadores com inquérito aberto no STF, Telmário Mota (PDT-RR) disse ao Congresso em Foco
que é favorável à aprovação do texto. Investigado por crime de
violência contra a mulher, ele alega inocência e defende que os
políticos respondam por suas acusações como qualquer “cidadão comum”.
Alvo de inquéritos por corrupção, José Agripino disse que precisa se
“ater mais sobre que matéria está em apreciação” antes de afirmar se é
contrário ou a favor do fim do foro privilegiado. O senador também não
quis opinar sobre a influência que pode ser exercida pelos integrantes
da comissão que têm pendências no STF na votação do relatório, e fez
questão de enfatizar ainda que “pendências não significam condenações”.
“Serão 12 opiniões em função do tema. Eu não me ative ainda a essa
questão. O foro privilegiado em relação ao crime comum é uma coisa,
perda de foro privilegiado com relação a tudo é outra coisa. Eu teria
que me ater mais sobre que matéria está em apreciação”, disse Agripino.
Agilidade x morosidade
A morosidade é o principal argumento utilizado pelos defensores do
fim do foro privilegiado. Randolfe argumenta que os processos – hoje
restritos a um número restrito de ministros dos tribunais superiores e
desembargadores – poderão ser julgados por mais de 16 mil juízes.
Segundo ele, o atual modelo favorece a prescrição de crimes e a
impunidade. “É notório que restou ultrapassada a ideia de que o foro por
prerrogativa de função serviria para proteger o cargo, não o seu
ocupante. Muitas pessoas buscam o mandato eletivo justamente para fugir
das instâncias ordinárias da Justiça, conduta francamente reprovável”,
observa. De acordo com o relator, o foro especial é visto pela população
como “verdadeiro privilégio odioso”, utilizado apenas para a proteção
da classe política.
Pela proposta, as autoridades manterão o foro por prerrogativa de
função nos crimes de responsabilidade, aqueles cometidos em decorrência
do desempenho do cargo público, como os cometidos contra o exercício dos
direitos políticos, individuais e sociais, a segurança interna do país,
a probidade na administração; a lei orçamentária, o cumprimento das
leis e das decisões judiciais, entre outros.
Desde a Constituição de 1988, mais de 500 parlamentares foram
investigados no Supremo Tribunal Federal (STF), conforme revelou
levantamento da Revista Congresso em Foco. A primeira
condenação ocorreu apenas em 2010, mais de 124 anos após a fundação do
STF. De lá para cá, apenas 16 congressistas que estavam no exercício do
mandato foram condenados por crimes corrupção, lavagem de dinheiro e
desvio de recursos públicos. Apenas em 2013, o primeiro congressista em
exercício do mandato (o deputado Natan Donadon) foi preso por ordem da
Suprema Corte, a despeito das inúmeras denúncias que atingiram a classe
política desde então.
Sinônimo de impunidade
Os números apurados pela revista são citados por Randolfe em seu
relatório para confirmar seu parecer favorável à extinção do foro.
“Esses dados alarmantes são motivo de forte desgaste para as
Instituições brasileiras: o foro tornou-se, sob o pretexto de assegurar a
independência das autoridades, sinônimo de impunidade”, ressalta.
Para o senador Alvaro Dias (PV-PR), autor da PEC, não há
justificativa para o foro privilegiado no caso de crime comum cometido
por autoridade. Com a eventual mudança na Constituição, deputados e
senadores condenados em segundo grau, nas infrações comuns, estarão
sujeitos à prisão – a exemplo dos demais brasileiros. Atualmente eles
são julgados pelo Supremo e só podem ser presos após condenação
definitiva dessa corte. Com a PEC, também acabará a possibilidade de a
Câmara ou Senado sustar o andamento de ação penal contra parlamentares.
Entretanto, Valdir Raupp (PMDB-RO) acredita que com a aprovação da
proposta, o tempo de julgamento dos ilícitos vai ser ainda maior: “Se
fosse influenciar votaria pela perda do foro privilegiado que voltaria
tudo para a primeira instância. Quem é que não gostaria de ter o
processo reiniciado lá na primeira instância para demorar até 20 anos
para chegar no Supremo? Então, esse foro privilegiado, para quem entende
de Justiça, ele é desprivilegiado.”
“Eu estou falando isso por mim, né? Agora, os outros membros é que
vão decidir lá na hora a partir das orientações das lideranças e
bancadas. Quando o tema entrar em discussão que começam mesmo as
discussões acaloradas que vão definir isso aí”, explicou Raupp,
acrescentando que precisa que os debates se iniciem para formar uma
opinião sobre a matéria.
Presidente da República
A proposta mantém a exigência de autorização da Câmara, por dois
terços de seus membros, para a admissão do julgamento do presidente da
República. Entretanto, permite que ele seja julgado por um juiz de
primeiro grau, nos crimes comuns. O julgamento por crime de
responsabilidade continua a ser feito pelo Senado.
O texto prevê a suspensão do presidente da República de suas funções,
nas infrações penais comuns, a partir do momento do recebimento da
denúncia ou queixa-crime pelo juiz competente. No caso de crime de
responsabilidade, a suspensão só ocorre após a instauração do processo
pelo Senado.
A PEC ainda elimina a competência originária dos tribunais de justiça
estaduais para processar e julgar, nos crimes comuns, juízes estaduais,
promotores e procuradores de Justiça. Quando forem acusados de crimes
comuns, serão julgados na primeira instância. Seguirá com esses
tribunais, porém, a competência privativa de julgá-los nos crimes de
responsabilidade.