“Os bancos obrigaram o PT a beijar a cruz. Eu não vou beijar. Se não
der, vou ficar assistindo de fora.” Ciro Gomes, pré-candidato do PDT à
Presidência em 2018, assim traçou a diferença de seu pensamento
econômico com o dos governos Lula, de quem foi ministro da Integração
Nacional (2003 a 2006) e Dilma. Ele falava, na segunda-feira (dia 16), a
estudantes da Faculdade de Economia e Administração da USP sobre seu
“antagonismo com o rentismo” e sobre a disposição em trazer os “juros
para um padrão menor”.
Ex-governador do Ceará e ex-ministro da Fazenda de Itamar Franco,
Ciro defendeu, além da diminuição dos juros, “um ciclo de
reindustrialização forçada”. Sua agenda, diz, “converge iniciativa
privada e Estado saneado”, oferecendo crédito e renúncia fiscal a
setores que considera estratégicos: agronegócio, saúde, defesa e
indústria de óleo e gás.
Em que pé está a candidatura do sr.? O sr. disse no início do ano que não tinha vontade de ser candidato concorrendo com Lula.
A Folha deformou minha declaração, nunca deixei de dizer
isso: eu não gostaria de ser candidato com ele sendo, o que não quer
dizer que eu não serei. Se o Lula for candidato, imediatamente se
passionaliza o ambiente. Ódios, rancores, violência — e o país não vai
ter um minuto para discutir o seu futuro. Minha candidatura só depende
do PDT. Mas haverá sempre o direito do PDT não querendo, eu enfim.
Logo após a publicação da última pesquisa Datafolha, Carlos Lupi, presidente do partido, disse que sua candidatura é ‘imexível’.
Pois é, você veja. Forte isso [risos]. Eu não estou com
tensão eleitoral nenhuma. Quero explicitamente criar uma corrente de
opinião. Tenho dito claramente: não estou aqui para buscar simpatias, a
divisão do Brasil entre coxinhas e mortadelas não cabe. Quero discutir
enquanto é tempo ideias, pensares diferentes, exames. Portanto, não é a
hora da simpatia. É a hora de pensar.
Lupi tem construído candidaturas estaduais, com palanques avançados para o sr.
A outra agenda é essa: estamos organizando nos Estados. E
vai surpreender. A opinião publicada vai se surpreender. Do jeito em que
as coisas estão, vou sair com a melhor estrutura de todos.
Que estrutura é essa?
É cedo. Temos já candidato pré-lançado no Rio Grande do
Sul, é um quadro que saiu do PT e entra chapa pronta lá com dois
senadores e tal. Estamos filiando o Odilon, juiz federal do Mato Grosso
do Sul que prendeu os bandidos. Temos o candidato Osmar Dias está na
frente das pesquisas do Paraná. E no Rio Grande do Norte, Distrito
Federal, Espírito Santo com o PSB.
Seria um apoio nacional ao senhor, o do PSB?
Não sei, vamos ver. Eles têm o tempo deles. Eu quero muito.
Há um comprometimento da ala paulista do PSB com Alckmin.
Não, eles estão conversando. É natural desta fase, todos
estão conversando com todos. Salvo alguns que têm algumas interdições,
como eu, que não converso com o PMDB.
Fala-se em um vice para o senhor?
Não, não. Muito cedo, vou deixar para a última hora.
Como o sr. recebeu o resultado da pesquisa Datafolha? O sr. aparece em patamar semelhante ao de Doria e Alckmin.
Com uma diferença: ambos estão sediados em São Paulo, que é
28% do eleitorado. Ambos estão centralmente postos na mídia e eu sou
absolutamente marginalizado. A ombudsman da Folha escreveu sobre isso — o
que não me desagrada em nada. É normal, tá tudo certo. Porque pesquisa,
para um homem vivido como eu, é um retrato de um momento. E a vida não é
um retrato, é um filme. E, nesse momento, a pesquisa tem que ser lida
com nível de conhecimento, nível de preferência espontânea, nível de
preferência induzida, nível de rejeição específica. A dinâmica disso é
que dá o potencial. E, mais do que tudo, eleição majoritária tende a ser
resolvida de véspera. Ou seja: a tendência, mais ou menos, está
definida de véspera e a campanha tenta identificar quem é o intérprete
mais fiel identificado com aquela tendência que está posta de véspera.
Se você ler a pesquisa, estão querendo um cara experiente, um cara que
tenha ficha limpa. Aí eu estou brincando: esse cara sou eu [risos],
frase que é do poeta, do Rei [Roberto Carlos].
Ao falar sobre economia aos estudantes, o sr. citou “meu
governo” em alguns momentos. O que o sr. disse na palestra integrará sua
plataforma de governo?
Não ainda. Porque o candidato interpreta médias. O que vou
fazer: estressar essas médias em direção às minhas ideias. Que nesse
momento, o combinado com o Lupi, estou propondo a minha contribuição ao
debate. E tem coisas polêmicas.
Por exemplo a discussão sobre tributação de heranças, que o sr. colocou?
Por exemplo. Eu estou dizendo que no Ceará cobramos 8%, e
não há razão para não se cobrar. Nos Estados Unidos é 40%. Na Europa,
entre 32% e 47%. Evidentemente, quando eu for entrar numa aliança, os
partidos consultados vão dizer: isso não é oportuno, isso não convém.
A proposta contrariaria interesses.
Contraria o interesse de 0,03% das pessoas. A questão
básica é: a que senhor você quer servir? E eu quero servir às maiorias.
Sem discriminar ninguém, mas eu quero governar para os pobres.
O sr. coloca a sua candidatura no campo da esquerda?
Acho que não cabe. A proposta minha é no campo da
centro-esquerda. Acho que temos que montar uma concretude explícita que
reúna os interesses práticos e futuros de quem produz com quem trabalha.
Por exemplo, a esquerda tem uma crítica azeda ao agronegócio. Eu
respeito profundamente o agronegócio. Evidentemente que não aceito as
distorções que um ou outro produzem e que, muitas vezes, se generaliza
por conjunto. Não é justa essa generalização. Mas eles, sob o ponto de
vista de contas, estão pagando a conta do Brasil, há anos.
Em sua palestra, o sr. falou em sentimentos da população:
a felicidade com a redução da inflação e com a melhoria econômica e,
depois, o ódio quando o brasileiro perdeu poder aquisitivo.
Ele se sente enganado e fica com raiva mesmo, e com razão.
A campanha de 2018 será trabalhada, sobretudo, sobre o ódio?
Acho, sim. Mas pior do que isso, acho que essa direita que
está orientada tecnicamente por interesses estrangeiros vai tentar
substituir o temário de empregos, salários, saúde e educação por
temários morais, temas de família, religiosos. Porque nesse temário que
importa eles perdem o debate. E, nesse outro, eles alcançam alguma
afinidade popular, porque nosso povo é cristão, é católico, é
neopentecostal. E nessa armadilha eles não me levam.
Como vê o financiamento eleitoral para o ano que vem, com a proibição de doações empresarias? É
um problema do Brasil. Você tem a ideia, da nossa moral dominante, de
que o poder econômico não se relacionam com o poder político porque o
tribunal [Supremo Tribunal Federal, em 2015] disse que não vai
acontecer. É uma vã ideia que só prejudicará os homens de bem e as
mulheres decentes que fazem política. Porque o poder econômico é um dado
irremovível da realidade. E o poder político é um dado irremovível da
realidade e onde se privilegiam interesses concretos. Esse poder
econômico vai sempre se relacionar —a gente faz a opção de mandar isso
tudo para o bastidor, para a clandestinidade. E aí é o paraíso dos
picaretas. Trocam conta na Suíça por conta em Cingapura. Trocam conta
nas Ilhas Caymann por mala de dinheiro em apartamento, como nós acabamos
de assistir. E o presidente veta o limite à contribuição individual, de
maneira que nós estamos oficializando que o poder no Brasil, hoje, quer
que seja uma plutocracia no lugar da democracia.
E os efeitos da reforma política, com a aprovação da cláusula de barreira para o ano que vem?
Vai continuar tudo como está. A cláusula de barreira é mínima —
ela vai deixar sem representação de sete a dez partidos e olhe lá. Não
farão falta nenhuma ao país. E a grande mudança que poderia ter
acontecido eles adiaram, que é a proibição de coligação proporcional. Eu
ainda até imagino que o tribunal pode determinar ainda para esta
eleição, porque este é o grande problema: você fazer um mercado de
traficância de tempo de TV, eles estão terceirizando o fundo partidário.
Por que disse, na palestra, que Doria é “carta fora do baralho” da eleição presidencial até dezembro?
Porque ele não é do ramo. Torrou o orçamento de São Paulo,
queimou as pontes todas. Perdeu o “timing” para fazer acordo por dentro
e ser eventualmente candidato a governador. Colidiu com o cara que o
inventou. E passou para a população a ideia de que é um carreirista, que
só pensa em si, que não tem nenhum compromisso com nada e com ninguém. E
saiu para fazer uma ilusão de ótica, passear por aí, receber título de
cidadão não sei por onde, tudo factoide, deixando a grande e grave
responsabilidade — que seria a decolagem dele— aqui, descuidada. Ele não
é do ramo. Como eu sempre disse, é um farsante. Em dezembro, se o
Datafolha fizer outra pesquisa, está completamente deslegitimado.
Quem serão os nomes em 2018?
Se o PSDB tivesse juízo, não cometeria esses erros que
está cometendo, segurando nas alças do caixão de um governo Temer. E
jamais deveria ter deixado esse desgaste em cima do Alckmin. Vai correr
atrás do leite derramado, com uma ruptura lá na frente da eleição,
quando parecer oportunismo. E o Alckmin terá todo esse desgaste para
trás. Aécio está fora de combate, mais um defunto político insepulto
dando as cartas no PSDB, que tem quatro ministros no governo. O programa
[de TV] do partido faz delação premiada de presidencialismo de
cooptação e quem que coopta o ministro do PSDB [Antonio Imbassahy,
ministro-chefe da Secretaria de Governo]. Pelo menos funcionalmente, ele
é o encarregado de fazer isso, embora quem faça mesmo é o Temer. São
erros por cima de erros. Espero que Lula seja absolvido, mas entendo que
a candidatura dele é um desserviço a ele e ao país. E acredito que ele é
capaz de poder fazer isso. De, absolvido, liderando pesquisa, entender,
sem qualquer tipo de constrangimento que ele deveria convocar um grande
debate que unificasse as forças progressistas do país. E ele daria o
maior exemplo de liderança, de preocupação com o país, e não com mero
petismo frustrado com a onda antipetista.
Lula deveria apoiar o sr.?
Não digo necessariamente, senão perco a moral da tese. Evidentemente,
não se inventarão candidatos. Mas eu me ponho como um dos possíveis. Não
me ponho como “o” candidato. Digo que depende do PDT, só. Mas numa
dinâmica grande dessa: imagina o Lula absolvido, pontuando 40% nas
pesquisas, ou 35%, dizendo: “Olha, eu entendo que o bom para o país não é
rachar. É abrir conversa para unificar o campo progressista, conversar
com quem produz. Todo mundo sabe que eu fui presidente, que fiz o que
pude fazer, talvez tenha sido imprudente na escolha que fiz dos aliados e
tal”.
Na palestra, o sr. disse que ‘os bancos obrigaram o PT a beijar a cruz’ e que não iria beijá-la. Poderia falar sobre essa frase?
Em 2002, foi escrita a Carta ao Povo Brasileiro, por Luís
Gushiken e Antonio Palocci. Depois conversei muito com o Lula sobre
isso. Ali houve um beija-cruz, mesmo. E a política econômica do Lula foi
criptoconservadora. Ele escapou porque pegou o elemento cambial que
melhorou muito, e fez muito crédito dirigido para interesses
específicos. Mas a política econômica do Lula foi rigorosamente a mesma
que a do Fernando Henrique: câmbio flutuante, hostil à indústria —tanto
que a desindustrialização continuou sob o Lula —, superávit primário,
que foram os maiores do mundo. E a dívida só cresceu. E meta de
inflação, inclusive reduzida. Estava numa política importante de
melhoria do salário mínimo e, pelas tantas, parou e desregulou pro
futuro. Ou seja, tudo o que é estrutural, o Lula beijou a cruz
conservadora. Não adianta, se o esquerdismo é a doença infantil do
comunismo. Você não é de esquerda porque fala que é. Você é de esquerda
pela prática. E ele teve algumas coisas: o salário mínimo subiu de
valor, até o limite em que ele congelou. O crédito subiu, mas ele não
institucionalizou nada disso. E a rede de proteção social é política
social compensatória. Num país de miséria de massa, de fome de verdade,
isso não é trivial, é muito importante. Mas também nada disso foi
institucionalizado, e nem é o futuro de uma nação como a nossa.
Por Gabriela Sá Pessoa / Folha -
Por Gabriela Sá Pessoa / Folha -