O jornal O Estado de S. Paulo teve acesso às conversas trocadas entre a ex-deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) e o principal suspeito de hackear os celulares de autoridades brasileiras, Walter Delgatti Neto, conhecido como “Vermelho”. Diferente do que a parlamentar havia informado, a interação foi além de uma mera troca de contato telefônico: Manuela e Delgatti conversaram por nove dias via aplicativo de mensagens – do dia 12 ao 20 de maio deste ano.
O inquérito da Operação Spoofing inclui 38 prints (reprodução de tela de celular) de conversas entre os dois. A organização das mensagens, feita pela própria defesa de Manuela, mostram que o diálogo continuou mesmo depois que as supostas mensagens roubadas de procuradores da Lava Jato e do então juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, foram repassadas ao jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil.
No primeiro diálogo, Delgatti diz que “não quer dinheiro, mas sim justiça”. “Desculpa eu entrar no seu Telegram, foi um mal necessário”, ele afirma, acrescentando em seguida que tem “oito Teras (bytes) de coisa errada”.
A conta do Telegram da ex-deputada foi invadida depois que Delgatti conseguiu interceptar a conta do senador Cid Gomes (PDT-CE) e, por meio dela, acessar o contato de Manuela. O hacker afirmou à PF ter pedido à ex-parlamentar o contato de Glenn. Logo após receber o telefone, ele continua a enviar mensagens.
Em uma das conversas, Delgatti conta que o nome de Manuela estava escrito com “O” na agenda telefônica de Cid Gomes. “Vou te contar uma coisa. kkkkk. Cid errou seu nome”, diz. “Todo mundo erra. E escrevem Daniela também”, responde Manuela.
De acordo com o Estadão, com o avanço do diálogo, o hacker passa a compartilhar com Manuela sua visão de mundo. Entre as mensagens, declara que se não fosse sua iniciativa de vazar as supostas conversas de Moro e dos procuradores, o Brasil iria quebrar. “Dei sorte de chamar você. Eles iam privatizar tudo. O País ia falir. Tem todos os acordos prontos. Um golpe gigantesco ia ser concretizado.”
Depois, em outra conversa, eles concordam que Greenwald era a “melhor pessoa” para ter repassado o conteúdo hackeado. Segundo Manuela, ele era o “jornalista mais capaz e com credibilidade mundial”.
Hacker era mais ‘falante’; Manuela mais cautelosa
Conforme observado no inquérito pelo Estadão, Delgatti mandava mais mensagens, enquanto a ex-deputada era mais econômica e cautelosa com as palavras. Em certa ocasião, ao avaliar a reação de Glenn ao receber o pacote de mensagens interceptadas, o hacker vibrou: “Ele ficou louco lá. Foi comprar computadores novos para os arquivos. Já fizeram não sei quem ir de BSB (Brasília) até eles”.
Em um dos diálogos, Manuela pergunta se ele teria ligado para o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) do seu Telegram e Delgatti confirma que sim. “Liguei no dia hahahaha. Para tentar falar com ele. Aí quando falei com você. Eu saí e não liguei mais”, responde.
Ele também compartilhava com Manuela outras contas hackeadas. Em uma delas, envia contatos ligados ao filho do presidente e deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e exibe documentos interceptados de grupos de procuradores.
“Eu sei que estou falando bastante. Não sou assim, apenas estou empolgado em poder contar para alguém essas coisas. Estava tudo preso comigo há meses”, diz Delgatti. Eles ainda conversam sobre o aplicativo de relacionamentos Tinder. O hacker conta que estava fora do Brasil e que costumava mentir que era da Suíça. Depois de mais algumas mensagens, Manuela responde: “Tô rindo do seu Tinder”.
No dia 17 de maio, o hacker questiona Manuela como estavam os avanços. Ela diz apenas que não havia falado mais com Glenn e que imaginava que ele estivesse trabalhando bastante. “Você está passando tudo para o Gleen? Combinei com ele que tudo iria para ele, pois ele é jornalista com credibilidade para investigar as denúncias e publicá-las”, afirma a ex-deputada.