Além do apresentador Luciano Huck e do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), grandes empresas, como o frigorífico JBS, o laboratório Eurofarma, a construtora MRV figuram na lista de 134 empresas que tomaram empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para comprar jatinhos executivos fabricados pela Embraer. As varejistas Lojas Americanas e Riachuelo e holdings de famílias de empresários, como os Moreira Salles e os Klein, das Casas Bahia, também estão na relação, que inclui músicos como a dupla sertaneja Victor e Léo e a cantora Cláudia Leitte.
No total, entre 2009 e 2014, o BNDES emprestou R$ 1,9 bilhão para essas operações, com juros de 2,5% ao ano a 8,7% ao ano. Os recursos vieram do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), lançado em 2009 como política de reação à crise financeira internacional. A iniciativa contou com equalização de taxas de juros por parte do Tesouro Nacional. Ao revelar a lista, em nota na noite de segunda-feira, o BNDES calculou em R$ 693 milhões o custo dos subsídios para o Tesouro nas operações, em valores corrigidos.
Prometida pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo presidente do BNDES, Gustavo Montezano, a divulgação dos nomes dos clientes do banco que tomaram empréstimos para comprar aviões particulares ganhou conotação política. Uma lista com os dez maiores financiamentos, numa imagem assinada pelo Movimento Conservador, com o nome do governador Doria em destaque, foi compartilhada às 17h21 pelo vereador do Rio Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente, após ser divulgada em reportagem do site O Antagonista. A lista completa só seria publicada no site do BNDES à noite.
Em transmissão ao vivo nas redes sociais na noite de quinta-feira, Bolsonaro dissera que o anúncio exporia “gente que está dizendo que estamos no último capítulo do fracasso”. Era referência indireta a Huck, que, na semana passada, durante um debate em Vila Velha, no Espírito Santo, usou essas palavras para criticar o governo federal, como mostrou o Estado.
À Rádio Gaúcha, quando anunciou que cerca de 130 jatinhos tinham sido financiados pelas gestões anteriores do BNDES, Montezano disse na sexta-feira que o banco foi usado para financiar clientes milionários com juros baixos. “O caso dos jatinhos é, mais uma vez, a política dos campeões nacionais ou dos amigos do rei. Você pega dinheiro do trabalhador e, travestindo de uma política econômica, dá dinheiro a juro quase zero a quem já é milionário. Para financiar jatinhos…”, disse Montezano, segundo o site GaúchaZH, do mesmo grupo da Rádio Gaúcha.
Além de Huck, o governador Doria tem sido percebido como possível adversário do presidente Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022. A revelação dos empréstimos para os dois foi feita mais de um ano antes da divulgação da lista na segunda-feira, em fevereiro de 2018, pelo blog Tijolaço. Naquela época, ainda no período pré-eleitoral, Huck era aventado como possível candidato a presidente, e Doria era prefeito de São Paulo.
As aeronaves passaram a ser financiadas quando o BNDES incluiu os jatos executivos da Embraer na lista de bens financiados pela Finame. É a linha de crédito do BNDES destinada a investimentos em máquinas e equipamentos, que recebeu recursos do PSI. As operações são indiretas. A seleção de clientes e a análise de risco são feitas por bancos repassadores – no caso à empresa de Huck, o Itaú; no de Dória, o Bradesco.
Maior operação de compra de jato é de R$ 77,8 milhões
A maior operação foi de R$ 77,8 milhões, para a CB Air Táxi Aéreo Ltda., da qual é sócio Michael Klein, fundador das Casas Bahias. A assessoria de Klein disse que “o empresário adquiriu a aeronave pela CB Air em meados de 2015, quando assumiu a dívida do comprador junto ao BNDES”.
A segunda maior operação, de R$ 75,5 milhões, foi para a BWGI, gestora do patrimônio da família Moreira Salles, acionista do Itaú Unibanco e controladora da mineradora CBMM. A mineradora, maior produtora mundial de nióbio, também comprou um jatinho, com um empréstimo de R$ 23,7 milhões. A BWGI informou, por escrito, que “não tem nada a declarar sobre o assunto em questão”.
A CBMM disse que o jato Embraer Phenom 300 foi comprado para fazer o “transporte de clientes, pesquisadores, executivos e funcionários da companhia, entre as cidades que ela opera no Brasil” e no exterior.
Também entre as dez maiores operações do BNDES está a aquisição de um jatinho pelo frigorífico JBS, de Wesley e Joesley Batista. Eles firmaram acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República (PGR) implicando o ex-presidente Michel Temer. O financiamento foi de R$ 39,8 milhões. A JBS afirmou que “o financiamento atendeu normas legais e seguiu os parâmetros estabelecidos pela linha BNDES Finame”.
A varejista Riachuelo, do empresário Flávio Rocha, que chegou ser pré-candidato a presidente em 2018, mas apoiou Bolsonaro, tomou crédito de R$ 55,5 milhões para comprar uma aeronave. Em nota, a empresa afirmou que a compra da aeronave foi parte de um fundo de investimento feito pelo BNDES em 2013 para ampliar companhia, com a inauguração de 146 lojas e modernização de onze plantas industriais, “que consequentemente possibilitou a empresa a ampliar a geração de novos empregos”.
Parte do dinheiro, afirma o texto, foi usado para adquirir o avião, cuja compra teve o objetivo de “ter produtividade na operação destas lojas que estão presentes em todos os estados do País.”
As Lojas Americanas também receberam um empréstimo para comprar um jatinho, no valor de R$ 24,7 milhões. Sua assessoria informou que não comentaria. A construtora MRV obteve financiamento de R$ 5,7 milhões, em 2010 – a empresa não tinha se pronunciado até a publicação deste texto.
O laboratório Eurofarma, que tomou R$ 44 milhões emprestados, informou que “realiza concorrência em todo o mercado em busca das melhores taxas de financiamento para aquisição de qualquer ativo, o que inclui a aeronave adquirida da Embraer em 2014”. Segundo a empresa, o jatinho é usado para fins comerciais, transportando executivos nas visitas regulares ao exterior – a Eurofarma tem operações em 20 países da América Latina.
Os financiamentos para a dupla sertaneja Victor e Léo e para a cantora Cláudia Leitte foram menores. A dupla, que paralisou a carreira, tomou R$ 6,5 milhões no BNDES, em 2009, por meio da produtora musical Vida Boa Show e Eventos Ltda. Na sede da produtora, em Uberlândia (MG), a informação é que a produtora está sendo fechada, já que a dupla suspendeu suas atividades – um empresário ou produtor da dupla não foi localizado até o fechamento deste texto.
Já Cláudia conseguiu um financiamento de R$ 6,1 milhões para a Bahia Golf Agência de Viagem Ltda., em 2009. É uma empresa extinta, que tinha entre os sócios o pai da cantora de axé, Claudio de Oliveira Inácio. O Estado entrou em contato com a assessoria de Cláudia, mas não obteve retorno até o fechamento deste texto – a cantora, mãe de dois meninos, deu à luz a sua filha nesta terça-feira.