A Associação Médica Brasileira (AMB) protocolou na última
sexta-feira, 15, ação direta de inconstitucionalidade (ADI) e mandado de
segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a lei que
permite o uso da fosfoetanolamina sintética, a “pílula do câncer”.
O coordenador jurídico da entidade, Carlos Michaelis Júnior,
argumenta que a lei, sancionada anteontem pela presidente Dilma
Rousseff, representa ameaça à saúde pública. “Não há nenhum estudo
mostrando que o produto é eficaz. Além disso, há grave risco de
pacientes abandonarem tratamentos para usar algo que não sabemos nem
mesmo a composição.”
A lei libera produção, uso e prescrição do composto para pessoas com
câncer, apesar de ele nunca ter sido avaliado pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa). Pacientes podem adquirir o produto desde
que apresentem laudo médico e termo de consentimento.
A expectativa é de que nas próximas 48 horas haja uma decisão sobre o
pedido de liminar. A fosfoetanolamina sintética começou a ser produzida
em um laboratório do Instituto de Química de São Carlos, da
Universidade de São Paulo (USP), há mais de 20 anos pelo professor
Gilberto Chierice. Até 2014, as pílulas eram distribuídas para pessoas
interessadas. Foi quando a prática acabou interrompida pela USP,
iniciando uma série de ações judiciais.
Nesta sexta, Chierice falou a uma rádio de São Carlos (SP). “É uma
vitória para o doente de câncer”, afirmou, destacando que a batalha até
uma distribuição total para os interessados será longa. Segundo ele, os
resultados variam de acordo com a pessoa, mas já recebeu “relatos de
centenas de pacientes que registraram efeitos positivos com o uso da
fosfoetanolamina”. Por enquanto, cerca de 900 pacientes receberam o
produto regularmente da USP.
Para Chierice, a pílula representa “um fato novo, uma teoria nova” na
forma como encarar o câncer. “O tumor deixa de ser visto como doença e
passa a ser encarado como modificação celular”, ressaltou, para falar
da eficácia terapêutica.
Presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, Gustavo
Fernandes diz que a ação da AMB representa o pensamento das entidades
médicas. “É uma unanimidade. Ninguém quer colocar o paciente em situação
de risco.” Ele acredita que, mesmo com a liberação, a fórmula não será
prescrita por especialistas. “É uma substância sem dosagem. Qualquer
prescrição será falha.”
Anvisa
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária avalia também a
possibilidade de ingressar com medidas regulatórias para tentar reduzir
os riscos dos efeitos da lei. A autarquia descartou a possibilidade de
entrar com ação na Justiça. Desde que a proposta foi aprovada na Câmara,
a Anvisa sustenta que a liberação do uso do composto traz riscos para a
saúde pública e abre um perigoso precedente, pois despreza as regras
existentes para a produção e desenvolvimento de medicamentos e coloca no
mercado, sob força de lei, uma substância que fica à margem de qualquer
possibilidade de controle.
“Quem garantirá ao consumidor que a substância que está adquirindo
não é uma inescrupulosa falsificação? Quem garantirá que a quantidade da
substância informada na embalagem é efetivamente a que existe no
interior de cada cápsula?”, questionou a autarquia.