Daria para fazer quase 30 000 casas pelo programa Minha Casa, Minha
Vida. Somente entre 2013 e 2014, pelo menos 2,6 bilhões de reais do
total da verba reservada ao Bolsa Família foram parar no bolso de quem
não precisava. A informação é resultado do maior pente-fino já realizado
desde o início do programa do governo federal, em 2003.
Feito pelo Ministério Público Federal a partir do cruzamento de dados
do antigo Ministério do Desenvolvimento Social com informações de
órgãos como Receita Federal, Tribunais de Contas e Tribunal Superior
Eleitoral, o exame detectou mais de 1 milhão de casos de fraude em todos
os estados brasileiros.
O Bolsa Família, um valor mensal a partir de 77
reais por pessoa, é destinado exclusivamente a brasileiros que vivem
abaixo da linha da pobreza. A varredura mostrou, no entanto, que entre
os que receberam indevidamente o auxílio no período estão funcionários
públicos, mortos e até doadores de campanha.
Só de funcionários públicos foram 585 000 os beneficiários ilegais.
Em todos os casos, os contemplados ganhavam ao menos um salário mínimo
(piso da categoria) e, segundo apurou o estudo, pertenciam a famílias
com renda per capita acima de 154 reais – situação que os impediria de
receber o benefício.
O fato de esses funcionários serem majoritariamente
servidores municipais reforça a tese do Ministério Público de que esse
tipo de fraude não dispõe de um comando centralizado. “Nasce daquele
microcosmo do município em que o cadastrador conhece quem está sendo
habilitado e não tem interesse em realizar uma fiscalização correta
sobre suas condições de pobreza”, afirma a procuradora Renata Ribeiro
Baptista, que coordenou a pesquisa.
Os doadores de campanha ocupam lugar de destaque no ranking das
categorias de fraudadores identificadas no estudo. O Ministério Público
encontrou 90 000 beneficiários do programa que, em 2014, doaram a
políticos ou partidos valores iguais ou superiores aos recebidos do
programa naquele ano e casos de grupos de dez ou mais beneficiários que
transferiram verbas para um mesmo candidato.
O levantamento achou ainda beneficiários sem CPF ou com mais de um
CPF, além de 318 000 beneficiários que eram donos de empresas. Abrir uma
empresa não significa necessariamente que alguém seja um sujeito de
posses (o processo para constituir uma firma pode custar pouco mais de
200 reais), mas o Ministério Público acredita que poucos dos
contemplados nessa situação conseguirão provar que vivem abaixo da linha
da pobreza.
Os 2,6 bilhões desviados correspondem a 4,5% do total investido no
programa no período e estão abaixo da média internacional, apontada pelo
Banco Mundial, de 10% de desvios em programas sociais. Para a
procuradora Renata Baptista, porém, a estimativa do MPF é
“conservadora”. Segundo ela, muitas fraudes ficaram de fora do
levantamento. “Apenas servidores com quatro ou menos familiares entraram
no estudo.” O prejuízo ainda vai aumentar.