O Jornal de Hoje entrevista o cordelista Marciano Medeiros. Nascido em
Santo Antônio aos 18 de setembro de 1973, toda sua origem familiar é de
Serra de São Bento. Desde adolescente observava seu pai João Batista de
Medeiros (Joca de Zé Bisel), ler e cantar belos romances clássicos em
cordel e depois ouviu seu avô materno, José Salustino Moreira, declamar
inesquecíveis estrofes do Pavão Misterioso. Membro da Academia
Norte-rio-grandense de Literatura de Cordel, Marciano ficou em primeiro
lugar em outubro de 2014, num concurso de cordel promovido anualmente
pela COSERN. Confira estes e outros detalhes na entrevista com o autor a
seguir.
De onde vem o seu gosto pelo cordel?
Vem de minha infância e adolescência, quando escutava meu pai cantando
lindas estrofes dos cordéis clássicos. Ele deitava numa rede em nossa
casinha na Serra do Meio e lia romances enormes, que para mim eram
verdadeiros filmes feitos com palavras. Tivemos uma vida meio nômade e
nos mudamos para várias cidades, porém permanecemos mais tempo em
Parnamirim. Quando eu vinha visitar a serra, sempre ficava na casa de
José Salustino e dona Izabel Viana, meus avós pelo lado materno. O
senhor José Salustino tinha dezenas de estrofes decoradas e declamava o
Pavão Misterioso. Então resumidamente foi deste modo que comecei a
apreciar romances de cordel.
Em 1910 existiu uma história dramática e sangrenta em Serra de São
Bento, sempre contada por meu pai e coincidentemente por José Salustino,
avô que acabei de mencionar na pergunta anterior. Eles narravam uma
briga que envolveu Luiz Amâncio, Minô Targino e Cândido Luiz. Neste
período alguns poderosos de Serra de São Bento que acabei de citar, se
uniram contra Cândido, um trabalhador rural, de pequena estatura, negro e
pobre. Minô querendo agradar seu amigo resolveu espancar o trabalhador,
por causa de uma questão dele com Luiz Amâncio. Cândido assassinou o
fazendeiro e teve uma fuga espetacular, sem sofrer qualquer punição,
pois terminou sendo absolvido num júri ocorrido em Nova Cruz. Eu gravei
uma entrevista e escrevi meu primeiro trabalho que me atrevi a publicar.
Era cheio de falhas, algumas rimas erradas e muitas desmétricas. Depois
fiz uma revisão e melhorei a qualidade do trabalho. Hoje já tenho mais
de 20 folhetos publicados.
Como surgiu este apelido de poeta das biografias?
Tenho um amigo que foi incentivador da criação da Academia de Cordel, o
Gutenberg Costa. Ele começou a ver folhetos de minha autoria contando a
vida de Clara Camarão, poeta Diógenes da Cunha Lima, jornalista Joaquim
Pinheiro, alguns políticos do Rio Grande do Norte, do alagoano Teotônio
Brandão Vilela e muitos outros, que vieram posteriormente, a exemplo de
Câmara Cascudo, a vida Lampião publicada pela Editora Luzeiro, José
Wilker, Marinho Chagas, José Saldanha, Abaeté do Cordel, Rita de Cássia
Soares, Ronaldo Cunha Lima e Divaldo Franco, entre outros. Então
observando toda essa produção de perfis biográficos, Gutenberg pegou a
me chamar de poeta das biografias. Eu confesso que gostei, pois aprendi a
fazer estes perfis ouvindo violeiros, a começar de Helânio Moreira, um
jovem e talentoso repentista de Serra de São Bento. Depois escutei os
irmãos Pereira cantando a vida do papa João Paulo II, em treze
sextilhas. Logo percebi, digamos assim o segredo da coisa, pegar o
essencial e fazer a ligação entre as partes. Aprendi a narrar episódios e
colocar também um pouco de poesia nas estrofes. Foi deste modo que
surgiu a referida alcunha de poeta das biografias.
Como se deu sua entrada na Academia de Cordel?
Em 2011 Gutenberg Costa, Hélio Gomes Soares, Marcos Medeiros e Abaeté do
Cordel, ao lado de outros companheiros começaram um movimento para
criação de uma Academia de Cordel, a ser fundada no Rio Grande do Norte.
Abaeté e Hélio por razões pessoais se afastaram, ainda na fase de
elaboração da referida instituição. Outros persistiram e tivemos uma
bela noite, onde começamos este movimento, numa solenidade ocorrida na
Academia de Letras do Rio Grande do Norte. Assumiu a presidência a
professora e poetisa Rosa Regis. Passei a integrar a cadeira de número
31 e meu patrono é Luiz Gonzaga Felipe Neris.
Fale sobre sua recente premiação, quando e como isso ocorreu?
A COSERN criou um prêmio de cordel que já está em sua oitava edição, eu
cheguei a participar de cinco delas. Nunca sabia nem de minha
classificação. Em 2014 o tema foi muito bom: Comportamento seguro a vida
acima de tudo. Tive uma inspiração e elaborei narrativa dramática,
procurando mostrar as consequências da sexualidade feita de modo
irresponsável. Intitulei o trabalho de: Confissões de um sedutor. Diante
do quadro de grandes e experientes poetas de Mossoró, Caicó e de Pau
dos Ferros representado pelo poeta Manoel Cavalcante, que já venceu uma
edição e ficou com excelente colocação noutra, cheguei a pensar que um
terceiro lugar já seria algo a ser comemorado. Afinal concorrer com
numerosos craques da poesia, como eu os chamo, de verdadeiros “Thomas
Müller do cordel”, numa alusão ao jogador alemão vencedor com sua equipe
da última Copa do Mundo, não é uma tarefa fácil. Eu estava no auditório
da Flicks, quando anunciaram meu trabalho em primeiro lugar na
categoria livre. Deste modo fiquei muito feliz e vivi uma semana de
grande emoção, pelo reconhecimento do meu esforço e persistência.
Existem grandes poetas na atualidade, escrevendo cordéis?
Sim, a começar pelo Rio Grande do Norte, onde temos muitos nomes
atuantes e naturalmente não posso mencionar todos. Relembro um poeta
extraordinário, nosso Xexéu de Santo Antônio do Salto da Onça. Antônio
Francisco de Mossoró, Crispiniano Neto, Paulo Varela, Bob Motta, Manoel
Cavalcante, Rosa Régis, José Acaci, Izaias, Hélio Pedro, Hélio
Alexandre, Manoel Silva, Marcos Medeiros, Rariosvaldo Oliveira, Abaeté,
Hélio Gomes Soares, Sirlia Lima, Rita Cruz, Gil Ribeiro e Nando Poeta,
que está se especializando na história do cangaço. Já em nível nacional
temos os irmãos Viana do Ceará, Moreira de Acopiara, Varneci Nascimento
com quem aprendi a reforçar o zelo na produção das estrofes, Marco
Haurélio e muitos outros que não dar para citar, pois sempre faltará
alguém. No setor da pesquisa histórica o professor Aderaldo Luciano está
mostrando um pensamento inovador sobre a origem do cordel, que é
fundamentalmente brasileira. Na Europa se fez no máximo um embrião e a
“criança”, falando figuradamente, floresceu entre a Serra do Teixeira e
Recife, com Silvino Pirauá de Lima e Leandro Gomes de Barros,
verdadeiros gênios que deram identidade ao cordel brasileiro,
completamente , Crispiniano Neto, Paulo Varela, Bob Motta, Manoel
Cavalcante, Rosa Régis, José Acaci, Izaias, Hélio Pedro, Hélio
Alexandre, Manoel Silva, Marcos Medeiros, Rariosvaldo Oliveira, Abaeté,
Hélio Gomes Soares, Sirlia Lima, Rita Cruz, Gil Ribeiro e Nando Poeta,
que está se especializando na história do cangaço. Já em nível nacional
temos os irmãos Viana do Ceará, Moreira de Acopiara, Varneci Nascimento
com quem aprendi a reforçar o zelo na produção das estrofes, Marco
Haurélio e muitos outros que não dar para citar, pois sempre faltará
alguém. No setor da pesquisa histórica o professor Aderaldo Luciano está
mostrando um pensamento inovador sobre a origem do cordel, que é
fundamentalmente brasileira. Na Europa se fez no máximo um embrião e a
“criança”, falando figuradamente, floresceu entre a Serra do Teixeira e
Recife, com Silvino Pirauá de Lima e Leandro Gomes de Barros,
verdadeiros gênios que deram identidade ao cordel brasileiro,
completamente diferente das poucas obras feitas em Portugal diferentes
na estrutura dos nossos romances, algumas escritas pelo cego Baltazar
Dias por exemplo. Então voltando ao assunto temos valorosos poetas
exercendo a profissão de cordelistas e o professor Aderaldo Luciano
enriqueceu a lacuna da pesquisa fundamentada, com fortes e convincentes
argumentos.
Qual foi sua última obra e tem alguma pra vir em 2015?
Em novembro de 2014 publiquei um romance de 32 páginas intitulado: Lindo
amor que floresceu nas páginas do Facebook. Tive grande aceitação com a
trama moderna ambientada em Serra de São Bento, na Escola Estadual
Joaquim Torres. Esgotei a primeira edição praticamente, dela tenho
poucos exemplares, vou reimprimir e continuar divulgando em todas as
escolas que puder. Biografias tenho três para finalizar, uma sobre
Valdetário Carneiro, outra sobre o ex-governador Dinarte Mariz e uma
homenagem que amigos vão fazer a um vereador de Parnamirim, chamado
Ricardo Gurgel. Antes do cordel sobre o amor no Facebook, também
elaborei um perfil de Eduardo Campos.
O que você pode dizer a um cordelista iniciante?
Se minha experiência puder auxiliar alguém, recomendo que leiam os
clássicos, Leandro Gomes de Barros, José Camelo de Melo Rezende, Delarme
Monteiro, Manoel D`Almeida Filho, Antônio Teodoro dos Santos, Severino
Borges e muitos outros. Não abandonemos o folheto, publicar livros é
legal, mas o folheto e o romance devem continuar. Tenham cuidado com as
revisões, não para se adequar a aprovação de alguém, mas para oferecer
um trabalho de qualidade. Procurem aprimorar a métrica, as rimas e a
correção gramatical. Outro fator importante é o sentimento poético. O
escritor Fernando Sabino disse que em certa oportunidade estava
escrevendo um trabalho e ligou para um amigo, que relembrou determinado
intelectual e repetiu o pensamento do mesmo para Fernando: “Não seja
biscoiteiro, construa uma obra de arte”. Acho que essa deve ser uma
preocupação constante, de todo aquele que acredita ser poeta.
Entrevista publicada no Jornal de Hoje (24/01/2015)
Entrevista publicada no Jornal de Hoje (24/01/2015)